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A globalização da indiferença

No final de ano, minha tia Helena disse que lê meus artigos, mas tem coisas que ela não entende. Na prática, ela me disse que eu precisava escrever de uma forma mais simples!

Fiquei pensando na crítica de minha tia, o que fortaleceu meu desejo de transmitir o que aprendo de uma forma mais clara, em melhorar minha narrativa. Fiquei pensando no meu propósito, nas informações que tento passar quando escrevo. E ficou mais nítido que minha missão é simplificar o conhecimento sociológico, mostrar que a sociedade é composta por diferentes pensamentos e a compressão da opinião pública nos ajuda a entender que somos diferentes em algumas coisas e iguais em outras tantas.

E em meus pensamentos ficou passando uma retrospectiva das mudanças sociais que tenho acompanhado através das pesquisas realizadas pelo IPO – Instituto Pesquisas de Opinião. Algumas dessas mudanças são naturais, fruto da evolução da humanidade ou das mudanças geracionais (das diferenças entre as faixas etárias). E outras, que estão causando doenças sociais, que precisam ser tratadas com conhecimento, reflexão, debate, muita educação e uma mudança cultural.

Revisando os temas percebi que meus artigos mostram fenômenos relacionados entre si e todos eles têm como base a ampliação do individualismo, uma doença social que diminui o sentimento de comunidade.

Mas por que esses temas deveriam ser destacados em artigos direcionados à população de forma geral? Se as pessoas estão sendo individualistas e não querem saber de política, elas não querem saber desse debate.

Seguindo a orientação de minha tia, fiquei revisando uma forma simples de falar sobre o assunto. E a inspiração foi o Papa Francisco, que trata de temas complexos com a alma e está sempre alertando que a sociedade não pode se alienar para temas que influenciam no seu presente e decidem o seu futuro.

O Papa Francisco fala da globalização da indiferença, de uma cultura de conflito que nos faz pensar somente em nós mesmos, que nos faz viver dentro de uma bolha, que parece agradável pois podemos “bloquear” quem nos incomoda ou nos critica. Ele alerta que estamos ficando acostumados com o sofrimento dos outros e que isso tem diminuindo nossa sensibilidade, nosso senso de coletividade.

Esse comportamento de indiferença é resultado da ampliação do individualismo. Ninguém se sente responsável por nada. Ninguém é responsável pela desigualdade social e pela miséria dos outros, ninguém é responsável por praticar um jeitinho e tirar vantagem em cima do outro, ninguém é responsável por poluir o meio ambiente. O Papa nos ensina que quando não existe culpado, todos somos culpados.

O individualismo é uma preocupação comigo mesmo, que motiva a indiferença, a intolerância e o desrespeito. Afinal de contas, o que importa é o que eu penso, é o que eu quero, é o que eu gosto.

É um cenário influenciado pela tecnologia, de uma mudança cultural causada pelo smartphone e pelas redes sociais. É um contexto que somos afetados com reinvenções contínuas, mudanças instantâneas, onde tudo ocorre com muita velocidade e com curto prazo. E nessa jornada vamos nos desconectando dos nossos valores, de nossas crenças, de nossa origem.

E tudo isso ocorre em uma escala global. O individualismo é uma transformação social global e precisamos ter consciência do que está ocorrendo para sermos protagonistas de nossa própria história e mantermos os princípios que nos fazem seres humanos: a capacidade de pensar e de amar o outro.

 

Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO – Instituto Pesquisas de Opinião em 1996. Utilizando a ciência como vocação e formação, se tornou uma especialista em comportamento da sociedade. Socióloga (MTb 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na UFPel e tem especialização em Ciência Política pela mesma universidade. Mestre em Ciência Política pela UFRGS e professora universitária, Elis é diretora e Conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) www.asbpm.org.br

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