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Quem só é servido não aprende a servir

Um leitor me questionou sobre a explicação sociológica para o caso do estadunidense Michael Rotondo, de 30 anos de idade, que foi processado por seus pais que exigiam que o filho deixasse o lar, queixando-se de que “ele não ajudava nas despesas e tarefas domésticas”.

Salvaguardando as análises psicológicas, como no caso da Síndrome de Peter Pan, que apregoa que há pessoas com mais de 25 anos que parecem presas à adolescência, evitando a rotina e as responsabilidades típicas da idade adulta. E, adentrando na análise sociológica, pode se avaliar este comportamento como reflexo de uma cultura social de superproteção dos pais.

Para entender o que está acontecendo com jovens, como Michael, temos que analisar os últimos dois ciclos geracionais, em especial, dentre a população de menor renda e que representa a maior parte da população.

Para fazer este exercício mental vamos pensar, primeiro, na geração BB (Baby Boomer), que nasceu após a Segunda Guerra Mundial. Estas pessoas tinham muitas restrições econômicas, dificuldade de aquisição de bens básicos, como roupas e utensílios domésticos. Como detinham baixo nível de educação formal atuavam em atividades braçais, mal remuneradas. Diante desse cenário, criaram seus filhos com dificuldades econômicas, mas com muita perseverança, valores e crenças. Estimularam os mesmos a construírem a sua vida e a sua independência.

Assim, emergiu a geração X, composta por pessoas que nasceram até 1980. A geração X foi orientada a trabalhar, a conquistar, a superar as dificuldades e ampliar a sua capacidade econômica. A geração X trabalhou muito e aguentou muitas mazelas. Além disso, a conjuntura social e econômica do País também ajudou esta geração.

A geração X teve mais acesso à educação, oferta de emprego e infraestrutura. Pode comprar parcelado, conheceu a estabilidade econômica e melhorou o seu padrão de vida. Nessa circunstância, projetou o seguinte princípio: meus filhos não vão passar pelo que passei.

E, neste quadro, temos o fenômeno sociológico que está associado à superproteção geracional. Uma geração sempre quer dar a outra geração a capacidade de evolução. Desejamos que os nossos filhos sejam melhores do que nós.

A geração Y chegou e foi servida pela geração X. Estes pais cuidaram dos seus filhos com muito esmero, dando todo carinho que o tempo permitia, mas, principalmente, ofertando as condições econômicas que não receberam. Incentivando a estudar e orientando a buscar uma ocupação digna de sua formação. Apoiando o filho a desistir de um emprego onde este se sentia pressionado ou indicando a troca de escola quando havia um conflito.

A geração BB dizia para geração X que ela precisava trabalhar e enfrentar as dificuldades. A geração X diz para a geração Y que ela não precisa se preocupar. Nesse caso, o feitiço está indo contra o feiticeiro.

A geração que foi e está sendo protegida por seus pais, não foi ensinada a superar dificuldades e a persistir. Assimilou a premissa de que tem direitos, mas não teve a mesma orientação em termos de deveres. Estes jovens foram e são servidos por seus pais e se tornaram adultos que têm a percepção de que não precisam servir. Adultos que moram com os pais e dizem que não pensam em cuidar dos pais porque eles “sabem se virar”.

Diante deste contexto, o caso como o de Michael Rotondo pode ser considerado um produto do meio. Ele foi educado a receber e não a dar e só está cobrando o que aprendeu.

Elis Radmann é cientista social e política. Fundou o IPO – Instituto Pesquisas de Opinião em 1996. Utilizando a ciência como vocação e formação, se tornou uma especialista em comportamento da sociedade. Socióloga (MTb 721), obteve o Bacharel em Ciências Sociais na UFPel e tem especialização em Ciência Política pela mesma universidade. Mestre em Ciência Política pela UFRGS e professora universitária, Elis é diretora e Conselheira da Associação Brasileira de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM) www.asbpm.org.br

http://www.coletiva.net/colunas/quem-so-e-servido-nao-aprende-a-servir,275799.jhtml

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